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Como fazer amigos e influenciar pessoas (com comida e gatos)

Nossa amizade com os vizinhos começou bastante tímida: basicamente, trocávamos olhares curiosos sobre o que saía das churrasqueiras um do outro pela varanda. Pelas ervas frescas crescendo na jardineira deles percebemos que eles, também, gostavam de comer e cozinhar. Passamos então a trocar tchauzinhos. Às vezes, passávamos pela porta deles e sentíamos o cheiro de algo delicioso sendo preparado. Creio que o mesmo acontecia do lado de lá.

Entretanto, só nos apresentamos formalmente depois que um problema qualquer no prédio nos obrigou a sair para o lobby – Gaston tentou fugir, como sempre, e nos pusemos a conversar sobre gatos. Eles estavam pensando em adotar um filhotinho também na SPCA, e demos algumas dicas. Conversa vai, conversa vem, descobrimos que nossas afinidades iam além de gatos e comida: ela também é estudante em tempo integral, interessa-se pela cultura latino-americana e sabe até tocar percussão. E ele, que já fez curso de barman, é mestre em fazer caipirinhas.

Julie e Philippe tornaram-se nossos primeiros amigos vraiment quebecois, e são uma espécie de versão francófona da gente; não demorou muito para as gostosuras começarem a ir de apartamento para apartamento. Fizemos uma pequena feijoada para eles, que adoraram (apesar de não ter ficado das melhores); e já comemos frango assado e uma pizza caseira deliciosa na casa deles. Temos um no outro cobaias sempre prontas e dispostas a experimentar algo novo, ou emprestar um ingrediente que esteja faltando (além de cat-sitters altamente qualificados).

Hoje em dia até Gaston e Gardelle (a gatinha que eles adotaram) ficaram amigos, apesar de serem verdadeiros opostos: ela, pequena e arisca, e ele, grande e preguiçoso. Enquanto os gatos correm atrás um do outro, nós conversamos horas a fio sobre ingredientes, restaurantes e mercados. É uma delícia falar sobre comida (e cozinhar) com quem tem o mesmo interesse que você no assunto, e quem sabe a importância de um prato feio com esmero e os melhores ingredientes.

Outro dia eles nos convidaram para uma refeição bem francófona e invernal: raclette. Apesar de ser também de origem suíça, este prato não ficou tão popular quanto o fondue no restante do mundo. Eu achei não só mais prático, como também mais variado e mais leve que aquele fondue onde frita-se a carne no óleo e depois todo mundo fica com cheiro de gordura.

O aparelho consiste numa chapa elétrica em cima, com pequenas “panelinhas” na parte de baixo onde coloca-se pedaços de queijo para serem derretidos. O queijo raclette, que deu nome ao prato, é especialmente saboroso e derrete divinamente. Os suíços comem este prato com muitos picles e conservas, mas nós fomos de carne, frango e vegetais frescos, que grelhamos na hora sobre a chapa enquanto tomávamos um vinho espanhol maravilhoso.

O interessante da raclette é que cada um come o que quiser, no seu ritmo e da sua maneira: pode-se derreter o queijo e colocar sobre o pão, ou fazer um sanduíche com a carne grelhada, ou passar a carne nos molhos, ou fazer uma versão vegetariana, enfim, as opções são inúmeras. Não é muito diferente do bulgogi (o churrasquinho coreano) que comemos há algumas semanas, o que me fez pensar que quase todas as culturas têm uma versão do prato faça-você-mesmo-e-cozinhe-na-hora. Porque simplesmente é muito gostoso e divertido.